Injustiça fiscal e reforma tributária
por Antônio Delfim Netto
A crítica mais comum que se faz ao sistema tributário brasileiro é que ele é regressivo. Não há como discordar dessa realidade: as pessoas com renda menor pagam, proporcionalmente, mais imposto do que as que têm maior renda. Este é um defeito sério, mas certamente corrigível. A crítica, na maioria das vezes, passa ao largo do grande problema de nosso sistema tributário que é a sua complexidade.
No caso dos impostos que as pessoas físicas pagam, particularmente na tributação da renda, tem havido progressos, com a melhora do acesso do contribuinte às informações básicas, graças à informatização. Mas quando se trata da pessoa jurídica, as dificuldades causadas pela complexidade das exigências burocráticas não mudam há muitas décadas.
Somente para preencher as exigências dos formulários do Fisco, as empresas têm de dedicar um tempo enorme, ocupando recursos humanos que seriam mais úteis para as empresas em inúmeras outras atividades da produção, com quase nenhuma perspectiva de redução dos enormes custos que são obrigadas a realizar.
Pesquisa do Banco Mundial mostrou que, no Brasil, as empresas de médio e grande porte gastam duas mil e seiscentas horas por ano para cumprir as exigências do órgão arrecadador e realizar os pagamentos, mantendo departamentos inteiros com contadores e advogados dedicados a essas tarefas.
Quando estivemos no governo, anos atrás, trabalhando na área fazendária, a complexidade do sistema já preocupava muito os setores manufatureiros, o que nos levou a pedir ao grande empresário Antônio Ermírio de Moraes que liderasse um estudo para calcular o quanto as indústrias estavam gastando desde a declaração até o pagamento dos impostos e os custos para o próprio governo para arrecadá-los. Constatou-se que esses custos representavam, anualmente, de 1,5% a 2% do PIB, um desperdício gigantesco de recursos. Mas uma ideia corrente hoje e que está errada é imaginar que a reforma tributária poderá baixar a tributação.
A reforma tributária tem de começar discutindo as despesas – quais as que efetivamente precisam ser realizadas pelo Estado e não podem ser realizadas por outros. E, a partir daí, pode se estabelecer um nível de tributação. A sociedade tem que arcar com os custos daqueles serviços que ela acha serem indispensáveis e que precisam ser prestados pelo Estado.
Seguramente a carga tributária no Brasil é muito mais alta do que o nível normal dos países de renda igual a do nosso, mas é porque também a sociedade brasileira tem exigências muito maiores do que a maioria das sociedades com seu nível de renda. Não devemos nos deixar iludir quando se trata da comparação dos níveis de tributação e renda que nós temos e dos níveis em países cujas rendas se aproximam da nossa.
O Brasil está tentando construir uma sociedade civilizada e, portanto, uma sociedade em que o Estado provavelmente tem de arcar com uma carga tributária maior do que nos outros países.
Antônio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-
ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento.
Reprodução de artigo autorizada.