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Para reduzir gastos, lojistas de shopping migram para o comércio de rua

23 de setembro de 2020

Matéria publicada no Jornal do Comércio no último dia 22/09, conta sobre as dificuldades que os lojistas de shopping estão enfrentando para manter suas operações com custos tão altos e ganhos tão baixos em consequência da pandemia. Para alguns, a solução encontrada foi a de migrar de loja de shopping para loja de rua. Confira abaixo a publicação na íntegra.

Para reduzir gastos, lojistas de shopping migram para o comércio de rua

Por Karina Lignelli 22 de Setembro de 2020 às 07:00

No varejo, ter loja no shopping costuma ser uma meta para franqueados e lojistas-satélite, que se baseiam em uma estratégia muito bem desenhada para ampliar a visibilidade do negócio e dar um up na marca.

Mas, à medida que os centros de compras se transformam em polos de entretenimento, serviços e lazer (e com retorno em vendas nem sempre garantido), muitos desses lojistas, que representam, em média, 60% do mix de um shopping, passaram a repensar esse investimento.

Desde a crise de 2015-2016, houve quem deu fôlego extra aos negócios ao trocar custos de ocupação e taxas que variavam de 15% a 30% do faturamento, para pagar, em média, 4% a 8% no comércio de rua.

Com a pandemia, os altos custos somados a uma certa dificuldade em renegociar contratos no período de lojas fechadas, além da diminuição de fluxo em torno de 40% na reabertura (mesmo com horário ampliado para oito horas), levaram pelo menos 11 mil lojistas a fecharem as portas. Ou a trocarem de endereço.

Os dados nacionais são da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop).

A marca de moda feminina MOB, com 24 lojas próprias e oito franqueadas, sendo 25 em shoppings, reviu suas estratégias e, pelo menos por enquanto, desvinculou a expansão dos centros de compras.

Com contratos de aluguel em shoppings majorados anualmente pelo IGP-M, que tem acumulado sucessivas altas, e vendas que estão longe de crescer no mesmo ritmo nos últimos cinco anos, a operação, em muitos casos, têm se tornado inviável, segundo Angelo Campos, fundador e presidente da marca.

Na quarentena, a queda no faturamento da rede foi de 80%. Com a reabertura, está vendendo 35% do que vendia antes. “Como manter uma loja com custos que representam de 17% a 30% das vendas?”, questiona.

A dificuldade em negociar descontos ou postergar custos de aluguel nesse período levou a marca a encerrar o contrato das unidades dos shoppings Iguatemi Porto Alegre (RS) e Iguatemi Campinas (SP). Ambos fazem parte do grupo que, segundo alguns lojistas, é um velho conhecido pela inflexibilidade ao negociar.

Com saída prevista desses shoppings em outubro e novembro, a MOB já abriu lojas de rua este ano em Moema, no Brooklin, Itaim e Vila Leopoldina. As próximas serão em Limeira (SP) e Sinop (MT).

“Quem não sabe negociar e insiste nos custos altos vai continuar a perder lojistas”, afirma Campos.

O custo por m2 também tem feito a diferença: enquanto a média é de R$ 300, R$ 350, ou mais de R$ 1 mil em shoppings de luxo, como o Iguatemi, na rua, com o grande número de pontos comerciais vazios, é possível encontrar valores entre R$ 70 e R$ 100 o m2, segundo a Associação Brasileira de Lojistas Satélites (Ablos).

Mas, mesmo com a maioria dos grupos de shoppings negociando contratos, o problema é que alguns não voltaram com o fluxo de clientes de antes, segundo Tito Bessa Jr., presidente da Ablos e fundador da TNG.

Isso tem levado alguns lojistas a migrarem para outros pontos, mas dentro de centros de compras ‘de rua’, como stripmalls e outlets. “O custo de operar nesses locais representa um terço, um quarto de um shopping.”

Das 130 lojas próprias da TNG, só 10% estão na rua. A queda nas vendas de vestuário, um dos setores mais afetados pela crise, levou a rede de moda unissex a mudar a estratégia para contrabalançar custos de operação.

Acabou de abrir uma unidade no outlet Smart, em Guarulhos (SP). E avalia o desempenho de cada loja, além de oportunidades de migrá-las para a rua.

“A loja do outlet, aberta há dez dias, já performa melhor que as de shopping”, diz.

IMPULSO x DESTINO 

Mas não são só os altos custos e a dificuldade de negociar que têm levado os lojistas para pontos fora de shoppings. A mudança no comportamento de consumo também tem acelerado a troca de endereço.

Apesar de os shoppings garantirem seguir os protocolos sanitários, o perfil da clientela está um pouco diferente.

Saem os clientes de oportunidade, ou frequentadores habituais, que compram por impulso, e entram os de destino, que saem de casa só para fazer uma compra específica. E querem distância de aglomerações.

Um levantamento da Ablos aponta que 45% dos clientes não gostariam de voltar a frequentar shoppings por enquanto, pois ainda não se sentem seguros.

“A tendência do cliente nesse momento é ir para centros de compras menores, mais abertos, ou lojas de rua, para evitar aglomerações”, afirma o presidente Tito Bessa Jr.

O Instituto Pello Menos, franquia especializada em depilação com cera, fez uma pesquisa interna com sua clientela habitual na retomada para ver se o movimento abaixo do normal tinha a ver com desemprego e questões financeiras. Mas descobriu que a causa era medo de sair de casa e pegar covid.

Com 46 unidades de rua em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, a rede iniciou 2020 com o projeto de abrir pelo menos cinco lojas em shoppings, segundo a presidente Regina Jordão.

Reformularam a estrutura original para diminuir os custos para franqueados, e chegaram até a abrir a primeira em março, dez dias antes da pandemia, no São Gonçalo Shopping (RJ). Mas, com queda de faturamento de 60% na quarentena, Regina e sua equipe decidiram reavaliar o projeto.

“Pensamos: compensa? O custo de operação é muito alto. Até o movimento nos shoppings voltar, vamos ajudando o franqueado a manter a unidade só para não perder o investimento nem essa primeira experiência.”

Agora, a estratégia é abrir as novas lojas na rua, mesmo. “Mas sem fechar as portas para shoppings.”

O comércio-destino, de rua, também é alvo da Chocolateria Brasileira. Com 24 unidades, sendo 22 franqueadas e mais de 50% em shoppings, a rede teve de encerrar três em centros de compras nesse período por conta do movimento abaixo do esperado, que caiu 70%, conta a gerente de franquias Cíntia Pitta.

Ao mesmo tempo, a rede percebeu que, com a restrição de mobilidade, as pessoas circulavam e consumiam mais no comércio de bairro. A alta na fidelização da clientela acelerou a estratégia de trocar de endereço.

Dos oito contratos de loja fechados para inauguração ainda este ano, os de shoppings serão mantidos, diz Cíntia. Mas pelo menos quatro serão no comércio de rua, sendo a próxima em Santo André (SP).

“Por mais que o aluguel esteja atrativo do ponto de vista financeiro – tem shopping praticamente ‘dando’ a loja – acredito que a retomada desse público vai demorar a acontecer. Então a rua é nossa prioridade.”

VALE OU NÃO VALE? 

O endurecimento das negociações com alguns shoppings nessa crise atípica tem levado muitos lojistas-satélite a recorrerem à justiça para reduzir aluguel ou pelo menos postergar pagamentos.

Sem faturar por diversos meses, há casos até de entrega de pontos antigos e com alto valor de mercado, sem receber nada por eles, só para conseguir isenção de multas que podem chegar a proibitivos dez aluguéis.

Daí a grande quantidade de lojas-satélite encerrando atividades ou, para quem ainda têm fôlego, migrando para pontos mais baratos, como os de rua. Mas esse comportamento dos shoppings não é generalizado, diz Marcos Hirai, sócio-diretor da GS&BGH, braço do Grupo Gouvêa especializado em retail real estate.

Para evitar altos índice de vacância que podem bater nos 30%, alguns grupos vêm flexibilizando as negociações, dando descontos de 50% no aluguel ou até postergando pagamentos para 2021. Em especial, em setores afetados por falta de público, como cinema, moda, alimentação, academias e beleza.

“Nas empreendedoras de shopping listadas na bolsa, fazer um esforço de preservação dos lojistas para não aumentar a vacância é um dos indicadores mais importantes para mostrar a solidez do negócio”, explica.

Já nos grupos com visão ‘mais imobiliária’, segundo o especialista, que têm uma postura mais endurecida, o impacto negativo tem afetado muito mais os lojistas do mix, obviamente.

Vale a pena trocar de endereço então? Hirai lembra que a alta vacância abre oportunidades para alugar pontos com boa localização que jamais se pegaria fora da crise. E em condições melhores.

No comércio de rua, porém, a negociação também não está tão fácil. Muitos lojistas que têm procurado imóveis comerciais em pontos como a Oscar Freire ou a Av.Paulista, têm se deparado com proprietários que insistem na famigerada cobrança de luvas. E em valores pré-pandemia, afirma o especialista.

Em ruas de comércio especializado, como a rua José Paulino, no Bom Retiro, ou na São Caetano, das noivas, muito afetadas pela crise e as medidas restritivas, a estimativa é que a vacância já bata nos 20%.

Já em polos diversificados, que estão bombando nas vendas, como o centro de Campinas ou o Largo 13, em Santo Amaro (Zona Sul da capital paulista), a situação é bem diferente, segundo Hirai.

“Às vezes, está mais fácil negociar com shoppings do que com lojas de rua. Nesses polos comerciais, nos grandes centros e em bairros, as negociações estão mais tensas porque são imóveis de investidores.”

Com o consumidor ainda não tão animado, o alto desemprego e um faturamento que caiu bastante, o custo de ocupação de lojistas-satélite, que era de 15% a 20%, na crise bateu nos 30%. “Isso é asfixia”, diz.

Portanto, para o lojista que não conta com ajuda de uma rede para negociar com o proprietário do ponto comercial, o jeito é ir para o digital, seja com delivery, e-commerce, redes sociais ou marketplaces.

“Quem insiste em ter só sua loja aberta, seja no shopping ou na rua, vai sofrer mais. O mundo mudou, e hoje o complemento do faturamento tem de ser somado com a omnicanalidade”, alerta.

FOTOS: Divulgação / Montagem: Will Chaussê

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