A representatividade sindical e os desafios do home office
Inquestionavelmente o home office é um dos assuntos mais badalados do momento e as razões são notórias. A pandemia do Coronavírus (Covid-19) promoveu verdadeira transformação nas relações de um modo geral, alterando inclusive a dinâmica de trabalho.
Os riscos de contágio aliados às medidas de restrição aceleraram a imersão no mundo digital, e, também, a aplicação do regime de teletrabalho, gênero do qual é espécie o home office, o trabalho executado preponderantemente em casa, o que trouxe oportunidades e desafios, para empresas e para empregados.
Ocorre que essas mudanças se intensificaram da noite para o dia, em um ano completamente atípico, o que levou a uma série de medidas emergenciais e transitórias para enfretamento da atual crise, ainda não superada e sob ameaça de uma segunda onda, já em curso em parte do mundo.
Dentre as mencionadas medidas foram flexibilizadas as regras para viabilizar a aplicação imediata do home office, acertadamente, vale frisar, e agora nos deparamos com notícias a respeito do expressivo aumento de reclamações trabalhistas supostamente decorrentes do descumprimento de obrigações sobre o tema.
Em resposta a este cenário cogita-se a produção de nova lei para regulamentar o home office, com mais amplitude. Contudo, será que é mesmo necessária uma nova lei?
Veremos a seguir que o processo legislativo não é a resposta mais adequada para tudo, e mais, que tal caminho pode representar sérios efeitos colaterais.
Conforme já expressado, atravessamos um ano atípico, sob o decreto de calamidade pública, status que vigora até 31 de dezembro de 2020. As medidas emergenciais editadas pelo Governo Federal e, também por Estados e Municípios, ajustam verdadeiro estado de exceção, o que por si só já demove, ou deveria demover, iniciativas baseadas em indicadores prematuros de uma realidade excepcional.
Consideramos prematura a ideia de uma lei a respeito, primeiro porque o aumento na distribuição de ações sobre home office não determina um gargalo, propriamente, pois estas ações ainda serão julgadas, e podem revelar assuntos diversos, pleitos infundados, e não necessariamente vícios no regime de trabalho eleito.
A segunda razão que vai de encontro à proposta de regulamentação do teletrabalho se verifica na reforma trabalhista que já regula em excelente medida o teletrabalho, traçando as premissas necessárias para viabilizar o home office, sem prejuízo dos direitos do trabalhador.
A terceira razão também emana da reforma trabalhista e está ligada à regulamentação do teletrabalho. Nos referimos à liberdade negocial, tão importante para o desenvolvimento econômico e social. Empresas e empregados podem negociar diretamente, desde que obedeçam às premissas referidas, e, ainda, contam com a representatividade sindical.
Notoriamente, a legislação não acompanha e não tem condições de acompanhar pari passu o desenvolvimento social, daí a relevância dos caminhos alternativos, complementares e ajustáveis às diferentes realidades e transformações de curto prazo.
Estamos falando dos instrumentos coletivos de trabalho.
No que tange ao teletrabalho, o Poder Legislativo já cumpriu o seu papel ao regular as premissas estabelecidas no artigo 75-A e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, premissas estas que devem ser consideradas de forma sistemática, em conjunto com as demais disposições legais da CLT, Constituição Federal e outras normas.
Os ajustes específicos competem às próprias partes interessadas, especialmente aos sindicatos de acordo com as nuances das categorias representadas. A propósito, a renovação periódica dos instrumentos coletivos permite aprimoramentos que podem impulsionar o desenvolvimento econômico e social.
Sobre o assunto o Sindilojas-SP, representante de mais de 30 mil lojistas estabelecidos na principal capital brasileira, há algumas semanas, tomou a iniciativa de propor aos sindicatos representantes dos trabalhadores cláusula específica para detalhar a aplicação do home office obedecendo as premissas da lei e observando a realidade do segmento representado.
A proposta preserva todos os direitos trabalhistas, o que não poderia ser diferente, e trata de pontos como a aplicação de regime híbrido para o home office, o que é permitido pela lei, regra quanto ao controle de jornada para segurança jurídica das partes, indicação para que o contrato aponte de forma expressa o valor da ajuda de custo que a lei já impõe para a empresa, e detalhamento sobre a infraestrutura subsidiada pela empresa sob regime de comodato.
Outros pontos são contemplados na proposta como a possibilidade de aquisição desta infra pelo empregado, fórmula para equilibrar estes custos quando o empregado já dispõe de ambiente estruturado para home office, além de coordenadas para a gestão do cumprimento de questões relacionadas à saúde e segurança do trabalho, com fundamento nas normas já existentes.
Reitere-se que estes detalhes foram estruturados de acordo com a realidade dos lojistas que enfrentam questões como rotatividade de empregados, o conhecido “turnover”, dentre outros pontos que não se aplicam necessariamente à todos os segmentos e que não convém cravar em lei, sob pena de engessamento e, consequentemente, inviabilização do que hoje podemos classificar como valiosa solução para a relação entre capital e trabalho, com tantos atributos para empresas e para os empregados.
Portanto, consideramos prematura a ideia de uma nova lei sobre o assunto, além de completamente dispensável, sendo certo que se trata de um desafio conexo ao papel da representação sindical.
*Por José Lázaro de Sá, advogado sócio da S&A ADVOGADOS e consultor do Sindilojas-SP.