Registro de duplicata eletrônica já está batendo à porta
Segundo os desenvolvedores da ferramenta, que está prevista para funcionar no fim do mês, em pouco tempo haverá crescimento no volume de recebíveis, com a segurança e flexibilidade trazida pela plataforma, além da diminuição das taxas e aumento do mercado de empréstimos com garantia de duplicatas.
Há dois anos, começou a busca para que essa ferramenta pudesse trazer redução de custos e ampliação do mercado de crédito no país, além de já vislumbrar o surgimento de outros ativos operando na plataforma, tornando esse mercado cada vez mais competitivo.
Confira abaixo matéria publicada pelo jornal Valor Econômico sobre o assunto
Um marco para o mercado financeiro brasileiro, defendem em uníssono as quatro registradoras de ativos do país, B3, Cerc, CIP e CRDC sobre a nova plataforma de duplicatas escriturais que se tornará operacional no fim do mês.
O sistema vai permitir a centralização e compartilhamento de informações quase em tempo real desse tipo de recebível.
O lançamento da plataforma nas próximas semanas ocorre após um período de testes que começou em março deste ano. Com o fim das simulações e após a regulamentação das duplicatas eletrônicas pelo Banco Central, em maio, o sistema de escrituração digital de títulos do gênero está pronto para entrar em operação.
O movimento, chancelado pelo BC, vai muito além de ser apenas um trivial aprimoramento técnico dos registros de duplicatas. Trata-se da concretização de um esforço que começou há dois anos e faz parte da agenda “BC+” – que se tornou “BC#” na atual gestão da autoridade — para reduzir custos e ampliar o mercado de crédito no país.
Na prática, a chamada interoperabilidade, termo que define o ambiente construído pela nova plataforma, traz justamente esses benefícios: potencial diminuição de taxas e crescimento do mercado de empréstimos com garantia de duplicatas.
Segundo o sócio-fundador da Cerc, Marcelo Maziero, as empresas brasileiras emitem quase R$ 5 trilhões de recebíveis por ano. “Hoje o volume de crédito concedido com garantia de recebíveis, dos quais a maior parte é de duplicatas, gira em torno de R$ 400 bilhões anuais”, explica o executivo.
“Teoricamente, com a segurança, flexibilidade e maior transparência trazida pela plataforma, daria para multiplicar esse volume para um montante de até R$ 1,5 trilhão”, acrescenta.
Dados do BC mostram que a média mensal de concessões de crédito com garantia de recebíveis alcançou R$ 31,2 bilhões no primeiro semestre de 2020. Se o valor for extrapolado para 12 meses, o volume de novas operações poderia atingir R$ 375 bilhões em 2020. Em 2019, o total de empréstimos do gênero atingiu R$ 390 bilhões.
O sistema eletrônico de escrituração de duplicatas desenvolvido em conjunto pelas quatro registradoras e o BC vai melhorar a qualidade como garantia para operações de crédito desses títulos emitidos na comercialização de bens e serviços para pagamento futuro. Isto porque, além de assegurar que não se trata de uma duplicata falsa, o novo sistema vai eliminar a possibilidade de uso do mesmo ativo em mais de uma operação.
“Historicamente, os problemas que trazem insegurança ao título como garantia são saber se a duplicata não é fria e se não está sendo pedalada, ou seja, sendo dada em garantia em mais de uma operação”, explica o diretor de produtos balcão, commodities e novos negócios da B3, Fabio Zenaro.
A interoperabilidade entre as registradoras vai permitir checar quase em tempo real se o título já foi usado em outra operação. O aumento da segurança e transparência no uso da garantia vai possibilitar a redução do custo do crédito para as empresas de todos os portes, afirma o superintendente de infraestrutura do mercado da CIP, Aldo Luiz Chiavegatti.
Conforme Maziero, da Cerc, além de reduzir o prêmio de insegurança no spread, a solução vai incentivar as instituições financeiras de médio porte a aumentar concessões, especialmente às pequenas e médias empresas. Outro grupo que, potencialmente, pode aumentar a atuação nesse tipo de crédito são as fintechs.
“O impacto imediato é ter mais oferta de crédito porque bancos, fintechs e factorings vão ter mais apetite para esse tipo de operação, porque a duplicata vira um super ativo para ser usado pelas instituições”, afirma Maziero. Conforme o sócio da Cerc, “ao longo dos próximos 18 a 24 meses vamos ver um renascimento do recebível como garantia”.
A estrutura montada para viabilizar o sistema de duplicata eletrônica pode se tornar um “benchmark” global, avalia o sócio-diretor da CRDC, Ivan Lopes. “É o primeiro case no mundo de registradoras e depositárias centrais fazendo um projeto dessa magnitude, junto com o BC, objetivando a melhoria do ambiente de crédito.”
Além do ineditismo da criação de uma solução unificada de mercado, a plataforma ainda traz o pioneirismo de usar a tecnologia “blockchain”. Keiji Sakai, diretor da R3, empresa provedora do software da plataforma, explica que a tecnologia, com suas características de imutabilidade, segurança e rastreabilidade, atendeu exatamente às necessidades e exigências do regulador para o sistema de duplicatas. “A plataforma já está pronta, os testes de carga já foram realizados e o sistema foi capacitado para aguentar muito mais do que o tamanho do mercado hoje”, afirma.
Conforme Sakai, com o lançamento da operação no fim do mês, o Brasil vai ser o primeiro case global de plataforma, de integração de um setor no mercado financeiro, que usa a tecnologia criptográfica. O sistema de registro vai ter um dos maiores volumes transacionais em blockchain no mundo.
Maziero, da Cerc, contabiliza dezenas de milhões de operações por dia. “Os testes mostraram que o sistema é muito bom. Será o primeiro uso de blockchain como infraestrutura de mercado, um ‘landmark’ da aplicação dessa tecnologia em um negócio de altíssima volumetria”, resume.
A visão das registradoras é que as duplicatas serão apenas o início de uma ampla interoperabilidade no registro de ativos financeiros em geral. “A gente tem ideia de que isso se expanda para outros ativos que também vão passar a ter o mesmo tipo de registro, nesse sentido a duplicata é o início de uma nova cadeia de ativos nesse processo”, diz Chiavegatti, da CIP.
Para o executivo, a plataforma já está pronta para o registro de outros ativos, como recebíveis de cartão, cédula de crédito bancário (CCB) e títulos de crédito do agronegócio, como cédula de produto rural (CPR) e cédula imobiliária rural (CIR). O sistema “foi desenvolvido para duplicatas eletrônicas, mas serve para registro de qualquer tipo de ativos e contratos”, reforça Sakai, da R3.
“O ‘over colateral’, que os bancos pedem, está muito ligado a uma insegurança e vários produtos, como o CPR, por exemplo, tem problemas parecidos com a duplicata”, pontua Zenaro, da B3. A ampliação do registro para outros ativos “traz como consequência a concessão de crédito mais barato no geral”.