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A derrota do país na área trabalhista

1 de abril de 2014

por Abram Szajman*

 

Para os que sempre foram contra a flexibilidade no trabalho, o eSocial,
novo programa do governo federal, é a realização de seu sonho

 

SZAJMANÀ semelhança do que faz na área tributária o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), da Receita Federal, o eSocial é um projeto do governo federal que reúne vários órgãos intervenientes no universo das relações trabalhistas. O seu objetivo é trazer para o ambiente digital informações até hoje dispersas.

 

Por meio do eSocial, as empresas serão obrigadas a encaminhar para o governo, em tempo real, imensa quantidade de dados trabalhistas e previdenciários.

 

Todos os detalhes da contratação, descontratação e administração do dia a dia do pessoal empregado terão de ser comunicados por meio de registros eletrônicos padronizados, incluindo exames admissionais, contrato de trabalho, salário, benefícios, bônus, horas extras, férias, abono de férias, licenças, adicionais de insalubridade, periculosidade, penosidade, acidentes ou doenças profissionais, afastamentos, contratação de serviços terceirizados, exames demissionais, enfim, tudo o que acontece durante o contrato de trabalho.

 

Com o eSocial, as empresas serão rigorosamente monitoradas o tempo todo, e o governo elevará enormemente sua capacidade de fiscalizar, autuar e arrecadar. Se vai devolver à sociedade o que arrecada na forma de bons serviços públicos, é questão em aberto.

 

Especialistas já destacaram a complexidade de implantação do novo sistema e as despesas a ele associadas. A distorção maior embutida no projeto, entretanto, é outra, e bem mais grave.

 

Tomando apenas a questão das relações do trabalho, o eSocial pretende tratá-las como se fossem relações tributárias. Estas são frias e absolutamente objetivas. Por força de lei, as empresas têm a obrigação de pagar impostos e recolher contribuições. Elas o fazem na data certa ou são multadas pelo atraso. São transações impessoais.

 

As relações do trabalho, ao contrário, são relações humanas baseadas em grande dose de confiança entre empregados e empregadores, que fazem pequenos ajustes ao longo do contrato de trabalho. É o caso de horas extras para atender situações excepcionais, compensadas em outra oportunidade mediante entendimento cordial, ou quando o empregado volta ao trabalho dias antes ou depois do término das férias, mediante compensações acertadas na base pessoal.

 

Ignorando essa realidade, o eSocial dará ao governo o poder de penalizar todo e qualquer desvio das normas regulamentadoras, mesmo quando acertado livremente de comum acordo entre empregador e empregado.

 

Assim, o Brasil se tornará o país mais rígido do mundo na aplicação das leis trabalhistas, pois o novo sistema não admitirá nenhum tipo de ajuste entre as partes.

 

De um clima harmonioso e cooperativo, passar-se-á para o ambiente de olho por olho, dente por dente, o que será péssimo para o convívio entre as pessoas e devastador para a produtividade do trabalho.

 

Para os que sempre foram contra a flexibilidade no trabalho, o eSocial é a grande realização dos seus sonhos: esse programa materializa a ideologia dos que pensam ser possível ter na prática uma reprodução rigorosa do que está estampado no frio quadro legal.

 

É a vitória dos que cultivam a rigidez trabalhista e a derrota de um país que, para competir e vencer, precisa criar um bom ambiente de negócios, atrair capitais, investir na capacitação das pessoas e ter altos níveis de produtividade.

 

Por essa razão, os empresários do setor comercial e de serviços consideram que se impõe um adiamento e uma melhor discussão do assunto, para que a dimensão humana das relações de trabalho seja também contemplada.

* Abram Szajman é presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo, em 3 de março de 2014.

 

 


 

 

 

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